segunda-feira, 13 de julho de 2009

“Ensino Médio Inovador”


No dia 30 de junho foi aprovado pela Plenária do Conselho Nacional de Educação o Parecer nº. 11/2009 sobre o Programa “Ensino Médio Inovador”, proposto pelo Ministério da Educação.
Em junho de 2008, em São Paulo, durante o Seminário “Balanço e perspectivas do Ensino Médio no Brasil”, o Coordenador Geral do Ensino Médio apresentara uma proposta de “ENSINO MÉDIO NACIONAL”, com as seguintes finalidades:
  •     Criar a rede nacional de escolas públicas “nacionais” de ensino médio com coordenação nacional do MEC;
  •      Expandir novas matrículas do ensino médio em regime de colaboração entre a união, estados e municípios;
  •      Promover a reestruturação do modelo pedagógico e do currículo do ensino médio;
  •      Criar um padrão de qualidade da escola de ensino médio;
  •     Criar Escolas de Jovens e Adultos com currículo específico de ensino médio regular e EJA para jovens, maiores de 18 anos, e adultos;
  •     Melhorar o IDEB do ensino médio no Brasil.

È fácil verificar que elementos da formulação da atual proposta já estavam circulando em meados de 2008. O “Programa Ensino Médio Inovador”, tem como objetivo “a melhoria da qualidade do ensino médio nas escolas públicas estaduais, promovendo, ainda, os seguintes impactos e transformações: superação das desigualdades de oportunidades educacionais; universalização do acesso e permanência dos adolescentes de 15 a 17 anos no ensino médio; consolidação da identidade desta etapa educacional, considerando a diversidade de sujeitos; oferta de aprendizagem significativa para jovens e adultos, reconhecimento e priorização da interlocução com as culturas juvenis”.
Seu eixo é uma promoção da qualidade, concretizada em mudanças significativas nas escolas públicas de ensino médio reconhecendo a importância do estabelecimento de uma nova organização curricular, que possa fomentar as bases para uma nova escola de ensino médio”. Para tanto, propõe “novas formas de organização das disciplinas articuladas com atividades integradoras, a partir das inter-relações existentes entre os eixos constituintes do ensino médio, ou seja, o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura”.
Especifica as linhas dessa organização curricular baseada no “entrelaçamento entre trabalho, ciência e cultura”, com as indicações de: “Contemplar atividades integradoras de iniciação científica e no campo artístico-cultural; incorporar, como princípio educativo, a metodologia da problematização como instrumento de incentivo a pesquisa, a curiosidade pelo inusitado e o desenvolvimento do espírito inventivo, nas práticas didáticas; promover a aprendizagem criativa como processo de sistematização dos conhecimentos elaborados, como caminho pedagógico de superação a mera memorização; promover a valorização da leitura em todos os campos do saber, desenvolvendo a capacidade de letramento dos alunos; fomentar o comportamento ético, como ponto de partida para o reconhecimento dos deveres e direitos da cidadania; praticando um humanismo contemporâneo, pelo reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade do outro e pela incorporação da solidariedade; articular teoria e prática, vinculando o trabalho intelectual com atividades práticas experimentais; utilizar novas mídias e tecnologias educacionais, como processo de dinamização dos ambientes de aprendizagem; estimular a capacidade de aprender do aluno, desenvolvendo o autodidatismo e autonomia dos estudantes; promover atividades sociais que estimulem o convívio humano e interativo do mundo dos jovens; promover a integração com o mundo do trabalho por meio de estágios direcionados para os estudantes do ensino médio; organizar os tempos e os espaços com ações efetivas de interdisciplinaridade e contextualização dos conhecimentos; garantir o acompanhamento da vida escolar dos estudantes, desde o diagnóstico preliminar, acompanhamento do desempenho e integração com a família; ofertar atividades complementares e de reforço da aprendizagem, como meio para elevação das bases para que o aluno tenha sucesso em seus estudos; ofertar atividade de estudo com utilização de novas tecnologias de comunicação; desenvolver a avaliação da aprendizagem como processo formativo e permanente de reconhecimento de saberes, competências, habilidades e atitudes”.
O Programa prevê investimentos direcionados às seguintes linhas de ação: fortalecimento da gestão estadual e municipal do ensino médio; fortalecimento da gestão das unidades escolares; melhoria das condições de trabalho docente e formação continuada; apoio ás práticas docentes; desenvolvimento do protagonismo juvenil e apoio ao aluno jovem e adulto trabalhador; infra-estrutura física e recursos pedagógicos; pesquisas e estudos do ensino médio e juventude
O documento do MEC foi submetido à análise na Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CEB/CNE) que constituiu uma Comissão Especial, cujo Relator minutou um Parecer que, juntamente com a proposta do Ministério, foi objeto de uma Audiência Pública no Conselho em 01/06/2009, onde cerca de 120 pessoas, representando instituições e associações profissionais do campo educacional, discutiram e fizeram sugestões. Como conseqüência, foi adiada para julho a análise pelo CNE e foi aberto um prazo, até 21 de junho para envio de sugestões à Comissão Especial.
Sem dúvida alguma o Programa é uma importante iniciativa do poder público federal para a concretização de políticas já traçadas na Constituição (1988) e que, apesar de um laconismo intencionalmente provocado, estavam contempladas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996. O minimalismo da LDB permitiu as idas e vindas linhas de ação. A relação do trabalho, da tecnologia e da cultura com a educação básica manteve-se numa área de imprecisão conceitual que favorecia dissociações radicais entre ensino médio e ensino profissionalizante.
A proposta do Programa do Ensino Médio Inovador, tem o mérito de trazer de volta uma discussão que – de forma alguma – é apenas teórica. Ela tem origem nas práticas (inclusive na organização e realização concreta do currículo) e tem muito a ver com “mudanças” reais, quando se quer realmente realizá-las.
Este não é o primeiro programa de governo federal a direcionar-se para a solução do ensino médio brasileiro. Todos os anteriores geraram esperanças. As frustrações surgiram pela precariedade dos fundamentos e, sobretudo, pelo vício da descontinuidade. Não são poucos os que estão advertindo para o reforço ao necessário protagonismo dos Sistemas de Ensino das Unidades Federadas, pois há indícios de que o Programa, ao privilegiar atuação em unidades escolares, fragmenta os sistemas estaduais e arranha o princípio federativo.
O Conselho Nacional de Educação, em seu Parecer nº. 11/2009, acolhe as sugestões surgidas na Audiência Pública e aquelas enviadas até 21 de junho último. E, fazendo ampla remissão a documentos anteriores do CNE, deixa clara a orientação reiterada de organização curricular que privilegie articulação e integração de conteúdos disciplinares.
O texto final revela uma reflexão do Relator e da Comissão Especial sobre temas fundamentais. Em vários assuntos ele traz recomendações que certamente influirão na forma final do Programa proposto pelo MEC.
Logo no início do Voto da Comissão Especial é enfatizado o regime de articulação e colaboração entre os sistemas de ensino” que deve marcar o desenvolvimento do Programa e que se reflete na concreta sugestão de que se deve “compor o Grupo Gestor com participantes que, também, representem os sistemas de ensino e as comunidades escolares participantes do Programa”.
Em relação à inovação curricular, o CNE tem duas posições muito claras: a) apóia a diversidade experimental das formas de inovar organizações de currículo com o objetivo de que se atendam as diferenças das realidades e as necessidades/interesses dos estudantes; b) marca posição inequívoca de manutenção das diretrizes nacionais da Lei e das interpretações do Colegiado. Neste sentido, explicita que a experimentação deve “promover a inclusão dos componentes centrais obrigatórios previstos na legislação e nas normas educacionais, e componentes flexíveis e variáveis de enriquecimento curricular que possibilitem, eletivamente, desenhos e itinerários formativos que atendam aos interesses e necessidade dos estudantes”.
Por isso é que enfatiza a interdisciplinaridade sem perda de conteúdos disciplinares fundamentais. Menos do que eliminação ou desaparecimento, a organização curricular poderá adotar componentes que articulam disciplinas (porque não uma bioquímica?) ou processos e atividades articuladores de disciplinas como, por exemplo, questões de análise ambiental (envolvendo e articulando conhecimentos sistematizados de disciplinas como biologia, geografia, física, química). Ao estimular a experimentação de diferentes “propostas” de organização curricular, é reconhecida a diversidade da realidade social, econômica e cultural do país que exige um grau de autonomia local, que evidentemente não é absoluta.
Reiteradamente, portanto, o Parecer recorda a vigência da Lei e das Normas, garantindo uma diversidade que não conspire contra a unidade, nem se deixe intimidar pela uniformidade. O que é importante é a presença dos conteúdos fundamentais conducentes ao atingimento dos objetivos traçados para o Ensino Médio. Eles devem ser encontrados nos componentes curriculares que sistematizam a organização do currículo.
A questão do oferecimento de conteúdos curriculares optativos (os 20%) é analisada realisticamente pelo Parecer que, diante das dificuldades, oferece como solução possível a “cooperação e intercomplementaridade entre escolas”.
Da mesma forma, o Conselho Nacional está sensível aos limites de um Programa para 100 escolas. Aceita-o, mas não perde a oportunidade de sugerir medidas que possibilitem uma abertura maior, como a “participação no Programa não só de escolas que apresentem projetos com novos currículos, como também escolas públicas que já venham atuando com currículos inovadores na perspectiva do Ensino Médio Inovador”. A verdade é que nas Diretrizes Curriculares Nacionais já havia uma forte carga de estímulo inovador e iniciativas de mudança foram programadas e executadas em diversas escolas – muitas vezes sem o apoio que este Programa está propondo. Seria um erro deixar de fora essa contribuição.
Mas há alguns aspectos que ainda ficam marcados por uma indefinição. Um deles é o “trabalho como princípio educativo”. Não se deve estranhar essa indefinição. E pode-se bem considerar um avanço sua menção explícita no Programa e no Parecer. O Programa Ensino Médio Inovador é uma oportunidade de organizar currículos que se fundamentem no trabalho e, até mesmo, que avancem propostas de uma educação de nível médio que seja verdadeiramente “politécnica”. Seria lamentável que também este Programa caísse nas falácias de uma formação “polivalente” e reducionista, para ajustar os estudantes às demandas circunstanciais do mercado.
É fundamental, portanto, participar ativamente da construção de um programa que leve a soluções adequadas e diversificadas, inclusive aprendendo com a crise que nem sempre ou quase nunca o mercado é bom conselheiro. As necessidades da sociedade explicitadas pelos que trabalham e produzem, precisam inspirar inovações transformadoras do ensino médio. Debate, experimentação acompanhada e avaliada com seriedade, troca dinâmica e consciente de vivências podem fazer a diferença.
Não mais um programa, mas sim uma política. Não mais de governo, mas da sociedade.